domingo, 7 de junho de 2009

Antigo Hotel Majestic está sendo restaurado


Equipe de arquitetos trabalha na recuperação do prédio histórico, localizado no coração da cidade

Desde o início desta semana um manto azul recobre uma parte da história de Florianópolis: o prédio onde até 1988 funcionou o Hotel Majestic. O manto azul é uma tela utilizada pela construção civil para evitar a queda de detritos sobre as calçadas das ruas Trajano e Conselheiro Mafra, a esquina em que se localiza o charmoso sobrado de dois andares construído em 1920. E essa tela, junto com o tapume que envolve as marquises do prédio, é um indicativo de que o antigo Majestic está em obras.
Está mesmo. Uma equipe de operários, coordenada por dois arquitetos, começa a realizar as primeiras intervenções numa construção que nunca foi restaurada – antes foi apenas reformada internamente – nos seus 89 anos de existência. Além de reformas no interior do prédio, sabe-se apenas que, entre 1940 e 1950, foram instaladas as marquises, que não constavam do projeto original.
O arquiteto Sérgio Amorim conduz a restauração juntamente com a arquiteta Sônia Amorim e observa que o estilo do Majestic, tombado como patrimônio histórico de Florianópolis, é chamado de neocolonial, muito comum à época da construção. "Estilo que apropriava elementos do período colonial, de influência portuguesa, com novas técnicas que surgiam, inclusive com a utilização de concreto", diz. Aliás, o Majestic foi pioneiro na aplicação de concreto armado na construção civil em Florianópolis.
A etapa inicial das obras está em andamento e inclui apenas a restauração da fachada. Posteriormente, a parte interna, também considerada muito importante por especialistas, também deve ser revitalizada. Sérgio estima que em 60 dias os florianopolitanos já possam admirar o resultado do trabalho, que vai recuperar ainda a pintura original. Para que isso seja possível, os arquitetos estão coletando amostras (pedaços das paredes): tudo indica que a primeira cor tenha sido um tom de areia (marrom claro).
O estado de abandono do prédio era visível para quem, até pouco tempo, contemplava a edificação. Havia claros sinais de deterioração do reboco, das aberturas e das sacadas de ferro, além da fiação elétrica aparente e perigosamente embolada. "Tudo será restaurado e o Majestic apresentará um novo aspecto, totalmente diferente do atual", garantem Sérgio e Sônia. Eles destacam ainda a qualidade original do edifício, "muito bem feito, com padronização de medidas, de acordo com um projeto técnico".

IPUF acompanha a realização dos trabalhos

Para que a restauração seja possível foi realizada uma minuciosa pesquisa de imagens, com a recuperação de fotografias que retrataram o Majestic ao longo do século 20. A diretora de Planejamento do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF), arquiteta Cristina Piazza, acompanha o assunto e destaca a importância do trabalho para a cidade: "O prédio do Hotel Majestic é um documento de uma época".
Segundo Cristina, os ocupantes do imóvel – lojas no térreo e escritórios nos dois andares – manifestaram interesse em revitalizar o edifício, resgatando pontos importantes da construção. "Não apenas a fachada, mas também partes internas, como as clarabóias e a própria estrutura original, muito bem acabada", diz.
Uma das questões mais interessantes será a manutenção da entrada principal do hotel, onde está a placa de bronze original e também o primeiro número do endereço (Rua Trajano, 4), colocado acima da nova numeração (84). "É um item fundamental da nossa memória e a sua recuperação permitirá uma nova utilização para o imóvel", observa. As lojas continuarão ocupando seus espaços, da mesma forma que os escritórios. Mas a diretora do IPUF explica também que há conversações no sentido de que uma parte do prédio possa ter algum outro tipo de uso, aberto à população, mas ainda indefinido.

Informações históricas são escassas

O Majestic integrou um conjunto de hotéis centrais de Florianópolis, a maior parte deles surgida entre as décadas de 20 e 60. Fizeram época os hotéis La Porta, Lux, Royal, Querência e Oscar. O primeiro foi demolido no início da década de 90, por causa de problemas em sua estrutura, mas deixou um fato singular registrado para a História: tinha quatro andares e foi o primeiro prédio com elevador inaugurado na capital catarinense (1932). O Lux, na esquina da Felipe Schmidt com a Trajano, funcionou até os anos 80, sendo depois transformado num centro comercial, a exemplo do que ocorreu com o Royal e o Querência. Todos eles foram, a seu tempo, símbolos de requinte e estilo. O Oscar, de 1960, foi reformado pelos descendentes do fundador e continua em operação na Avenida Hercílio Luz.
As informações sobre o Majestic são escassas. A literatura histórica sobre Florianópolis não menciona a existência desse hotel, talvez porque o La Porta e o Lux, situados a pouco mais de 100 metros, simbolizassem melhor o conceito de hospedagem e conforto. Mas duas professoras do curso de Turismo e Hotelaria da Universidade do Vale do Itajaí dedicaram-se ao assunto recentemente. Fabíola Martins dos Santos escreveu sua dissertação de mestrado sobre a rede hoteleira da cidade, promovendo um importante resgate histórico, onde há uma página e meia sobre o Majestic. Junto com outra professora, Raquel Maria Fontes do Amaral Pereira, ela também escreveu um ensaio intitulado A Rede Hoteleira no Núcleo Urbano Central de Florianópolis (SC) – Expansão Urbana e Turismo. São as únicas pesquisas disponíveis e, por enquanto, inéditas em livro.

José Daux foi o construtor

Há conflitos sobre a data de construção – apontada pelas pesquisadoras da Univali como sendo 1930. Mas o registro da prefeitura assinala o ano 1920 como o da efetiva construção. O empreendedor foi o imigrante libanês José Daux, que chegou ao Brasil em 1896. Ele morou primeiramente em Palhoça e depois se transferiu para a Capital. Daux administrou o hotel, junto com seus filhos, até o fim da década de 40. Com sua morte em 1951, a gestão passou para o hoteleiro Hugo Pessi, que também era arrendatário dos hotéis Metropol (depois Colonial, hoje prédio da Vara de Execuções Fiscais da Prefeitura de Florianópolis), na Rua Conselheiro Mafra, e Central (depois Mário Hotel, hoje uma loja de departamentos), também na Conselheiro Mafra.
De Hugo Pessi, em 1959 o Majestic passou para as mãos de outro hoteleiro, Gentil Cordioli, que começou sua carreira como porteiro do Lux Hotel. Cordioli foi responsável pela única reforma de que se tem notícia, nas escadas e nas instalações elétricas e hidráulicas.
Pelo que se pode apurar, o último hoteleiro foi quem desativou o Majestic em 1988, quando o estabelecimento já não tinha mais condições de competir com os novos e bem-equipados hotéis surgidos na Capital. Desde então, o prédio passou a ter utilização comercial.
Embora desativado, o edifício sempre conservou a placa indicativa, na Rua Trajano. E em homenagem ao seu avô, o empresário Ronaldo Couto Daux tomou emprestado o nome para batizar o suntuoso Majestic Palace Hotel, na Avenida Beira-mar Norte.

O HOTEL

Enquanto funcionou, o Majestic tinha capacidade para 60 pessoas, com 30 quartos disponíveis, com banheiros coletivos nos corredores de acesso, sem telefones nos quartos. Seu público era constituído por representantes comerciais, funcionários públicos, políticos do interior do Estado e turistas. Em sua dissertação de mestrado, Fabíola Martins dos Santos assinala: "Quanto aos serviços de alimentação prestados pelo hotel é importante observar que, nos primeiros 20 anos, oferecia pensão completa, restringindo-se ao café da manhã a partir de 1980".

Construção do prédio coincidiu
com fase de modernização local

O período em que o prédio foi construído coincidiu com uma relativa modernização de Florianópolis. Como aponta o sociólogo Nereu do Vale Pereira em seu livro "Desenvolvimento e Modernização": "Entre 1901 e 1925 a cidade passa por profundas transformações benéficas. De toda a corrente de idéias e forças em jogo, todas de impulsos externos, o que se presencia em Florianópolis se alastra por todos os setores. Mais uma vez a construção civil é o suporte econômico básico que sustenta e alimenta o processo". Nereu destaca a construção do Colégio Catarinense (1905), a instalação do Liceu de Artes e Ofícios (hoje Instituto Federal de Educação Tecnológica), a Maternidade Carlos Correia (1920), a Escola Normal do Estado (futuro Museu da Educação) (1922), a reforma da Catedral Metropolitana (1922), a construção da Ponte Hercílio Luz (inaugurada em 1926) e a implantação das avenidas Mauro Ramos e Hercílio Luz.
Apesar das inovações em sua estrutura urbana, a cidade não apresentou um crescimento significativo nas décadas seguintes. Os principais hotéis estavam instalados nas proximidades do trapiche municipal (Miramar), onde chegavam e de onde partiam os barcos que faziam a ligação com o Continente antes da construção da ponte. Ficavam próximos também do porto da capital catarinense, seis quadras ao Norte do miolo central. O porto teve relativa expressão econômica ao longo do século 20, tendo sido desativado no início da década de 60, por conta da evolução do comércio e da própria navegação: a baía Norte não tinha calado para receber navios de grande porte.
Foi nesse núcleo, de maior concentração populacional e movimento comercial e administrativo (repartições públicas), que surgiram os hotéis principais da cidade na primeira metade do século 20. Sem contar outros, de pequeno porte, inclusive dormitórios e pensões, alguns ativos até hoje na região da Conselheiro Mafra.

Parte desta matéria foi originalmente publicada no jornal Notícias do Dia, edição de 23 de maio de 2009.